A Santíssima Trindade na Doutrina do Daime

11/4/202517 min read

A Santíssima Trindade na doutrina daimista

Luiz Carlos C. Teixeira de Freitas

Após a última vez em que estivemos reunidos online para analisar aspectos históricos da doutrina daimista, do jeito como foram aprendidos e ensinados por mestre Irineu, pareceu-me necessário abordar o assunto da Santíssima Trindade tal como foi tratado na doutrina.

O assunto é muito vasto e, para ser abordado com propriedade, requer um rápido enfoque sobre o intenso interesse que a noção de “trindade” sempre despertou na Humanidade, pois a ideia de tríades divinas é um padrão costumeiro que recorre em muitos sistemas antigos e modernos de pensamento religioso.

Até mesmo nas filosofias pitagórica e platônica esta ampla noção surgiu com destaque. Se para os pitagóricos o três era a “soma da perfeição” e era o primeiro número a ser considerado ”completo” ou ”perfeito”, já que é a soma do princípio (um) e da diversidade (dois), para os platônicos a existência de um terceiro termo era essencial para que a comunicação, o movimento e o equilíbrio entre opostos pudessem ser possíveis, como em o Belo, o Justo e o Bom.

Na filosofia aristotélica, o número três não é uma mera justaposição numérica, mas uma estrutura conceitual fundamental: na Ética, o três representa o equilíbrio e a excelência prática (o justo meio); na Lógica, o três estabelece a precisão e a certeza do raciocínio (o terceiro excluído); na Metafísica, o três define a composição e o processo de mudança (potência, ato e perfeição).

O número três é universalmente significativo na organização do tempo, do espaço e do pensamento. Em religiões e nas mitologias ele frequentemente aparece como “tríades divinas”, que são grupos de três deuses ou três divindades com funções complementares:

  • a Hinduísmo: a Trimúrti (do sânscrito “três formas”) é o exemplo mais comentado: o deus supremo, Brahman, a Realidade Absoluta, se expressa em três divindades diferentes: Brahma (deus da Criação), Vishnu (deus da Preservação) e Shiva (deus da Destruição/Transformação);

  • b Antigo Egito: muitas tríades familiares, como Osíris (Pai), Ísis (Mãe) e Hórus (Filho);

  • c Mesopotâmia (Suméria/Babilônia): triunidade cósmica com Anu (Céu), Enlil (Terra/Ar) e Ea (Águas);

  • d Mitologia grega: grupos como Zeus, Poseidon e Hades (ou Júpiter, Netuno e Plutão, para os romanos) governavam os três domínios da existência: superfície da Terra, mares e oceanos, e mundo subterrâneo;

  • e Culturas celta e germânica: três deuses com funções distintas, como Wotan (soberania e sabedoria espiritual), Thor (força e proteção) e Fricco (fertilidade e abundância);

  • f Cultura africana iorubá: o mundo é dividido em três planos de existência que interagem entre si: Òrun (que é o mundo espiritual, o céu, onde vivem o deus primordial, que é Olódùmarè ou Olorum, e os Orixás, divindades intermediárias entre Olorum e Aiyé), Aiyé (que é o mundo material, a Terra, onde vivem os humanos) e Igbàlè (que é o mundo dos ancestrais, ou Egungun, os espíritos de antepassados).


Neste quadro de referência, é fundamental distinguir entre as tríades divinas, tais como as mencionadas acima, e a Trindade cristã:

  • a Tríade divina (em geral): três deuses distintos que atuam juntos ou de modo sequencial (por exemplo, deus Criador, deus Mantenedor e deus Destruidor).

  • b Trindade (cristã): uma doutrina complexa que afirma haver Um Único Deus (uma substância, essência ou natureza) que subsiste em três Pessoas distintas: Pai, Filho (ou Verbo) e Espírito Santo. Essa ideia de consubstancialidade das Pessoas de Deus (serem da mesma substância, ou homoousia, em latim) é teologicamente específica do Cristianismo e não é encontrada em outras religiões.


Embora as três Pessoas partilhem a mesma ousia (essência ou substância divina), elas são distintas em suas hipóstases (suas realidades individuais/pessoais). Em Cristo (união hipostática), o termo refere-se à doutrina de que as duas naturezas (a divina e a humana) estão perfeitamente unidas em uma única hipóstase (pessoa) de Jesus Cristo.

Visto isto tudo, antes de entrar na doutrina daimista propriamente dita e em seus hinos, quero me debruçar um pouco especificamente sobre o Hinduísmo e seus princípios centrais de crença, já que entre estes princípios está a noção de “avatar” e muitos entendem que Jesus Cristo foi um avatar, em vez de ter sido o Verbo de Deus feito carne, no Espírito Santo, sendo que um avatar é a encarnação corporal de uma divindade, geralmente Vishnu, que desce do plano espiritual para o plano material da Terra.

O Hinduísmo crê que Brahman, que é a Realidade Última e Impessoal, se manifesta como a trindade de deuses Brahma (sem o “n”), Vishnu e Shiva, que são respectivamente encarregados da Criação, da Preservação e da Destruição/ Transformação de tudo o que existe, em ciclos cósmicos repetidos no tempo.

E que toda vez em que o dharma decai – o que ocorre de tempos em tempos –, sendo suplantado pelo adharma, isto é, que a ordem natural e justa das coisas, que é o dharma, é ameaçada pelo adharma que destrói a harmonia, fortalece a injustiça, ameaça a própria existência da ordem cósmica e moral e leva ao sofrimento, surge na Terra um avatar (por exemplo, Rama ou Krishna, que foram respectivamente o sétimo e o oitavo avatares de Vishnu) para destruir o adharma e reestabelecer o dharma no mundo, permitindo que o ciclo cósmico possa continuar.

Resumindo: a visão hindu da existência é como uma roda que gira infinitamente, passando por grandes eras ou ciclos cósmicos (yugas), e no correr das eras o dharma é aquilo que, quando o svadharma, ou o dever específico de cada um, é praticado, sustenta tanto o indivíduo quanto a sociedade e o cosmos, pois seguir obedientemente o dharma leva à felicidade e à libertação (moksha). E, sempre que necessário, os avatares são encarnações corporais de uma divindade (geralmente Vishnu) que desce do plano espiritual para o plano material da Terra.

Os propósitos fundamentais de um avatar são:

  1. Restabelecer o dharma: intervir para restaurar o dharma (a ordem moral, a retidão, a lei cósmica) quando o adharma (a injustiça e o mal) prevalecem no mundo.

  2. Proteger os devotos: salvaguardar os seguidores e as pessoas justas.

  3. Destruir as forças do mal: eliminar demônios, tiranos e forças que ameaçam a ordem universal.


Esta noção é claramente expressa no texto sagrado Bhagavad Gita (capítulo 4, versos 7-8), onde Vishnu, falando como o seu avatar Krishna, afirma: “sempre que o dharma declina e o adharma se manifesta, Eu próprio Me manifesto. Para proteger os virtuosos e aniquilar os malfeitores, e para restabelecer o dharma, Eu Me manifesto de era em era.”

Segundo depoimentos de quem conviveu com ele, mestre Irineu já lia revistas do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento no início dos anos 1950, uma década antes de se filiar a ele. Sendo assim, é totalmente possível e enormemente provável que ele tenha convivido por anos a fio com os princípios de crença do Hinduísmo, presentes tanto na obra de Swami Vivekananda, pensador hinduísta que era considerado patrono do Círculo, quanto nos textos da Sociedade Teosófica, de Helena Blavatsky, já que a Teosofia tinha também amplo destaque no material distribuído pelo Círculo.

Mesmo assim, ao registrar em abril de 1971 o Estatuto do Ciclu - Centro de Iluminação Cristã Luz Universal, mestre Irineu optou pelo sistema cristão de crença, no qual ele acreditava e era exposto em hinos.

Assim, fez constar, no Estatuto do CICLU que ele registrou em cartório meses antes de sua própria passagem, o caráter cristão e trinitário da doutrina que ele pregava. Como consta no Artigo 1º, “a integração dos vinculados à Santíssima Trindade, mediante aliança celebrada nas visões e revelações; b) a fortaleza dos mesmos [os vinculados] na doutrina de Deus Pai, Filho e Espírito Santo”. E como consta no Artigo 2º, que explica o nome CICLU, “a esta entidade com a sigla e nome acima é conferida a seguinte hermenêutica: a) ‘Centro’, representando o ambiente e a composição humana; b) ‘de Iluminação Cristã’, designando a centelha divina e o caráter cristão a brilhar nos ensinos e instruções, em especial na consciência de seus membros e adeptos; c) ‘Luz Universal’, isto é, Luz Suprema, o Trino e Uno Ser Divino Pai, Filho e Espírito Santo”.

E quanto ao aspecto mariano da doutrina, no Estatuto ele registrou que “alinha-se a exegese à Virgem Santíssima e ao excelso e trino Ser Supremo” (lembrando que exegese é a extração do sentido original de um texto religioso).

Para Santo Agostinho, “o Pai, o Filho e o Espírito Santo perfazem uma unidade divina pela inseparável igualdade de uma e mesma substância”, como definiu em seu livro A Trindade. Isto significa que os Três compartilham a mesma natureza, a mesma divindade, o mesmo poder, a mesma eternidade e a mesma majestade. Eles não são três deuses (como o triteísmo do Hinduísmo), mas Um Só Deus manifestado em três Pessoas distintas.

Como a noção de Santíssima Trindade não é somente dogma da Igreja Católica, como alguns pensam, mas tem sólida base bíblica, cabe lembrar que o batismo de Jesus, feito por João Batista, é frequentemente citado como a primeira e mais evidente manifestação simultânea das três Pessoas de Deus no Novo Testamento, como se descreve em todos os Evangelhos. Por exemplo, em Mateus, 3: 16-17 o Filho (feito carne em Jesus) está na água, o Espírito Santo desce sobre Ele em forma corpórea, como uma pomba, e a voz do Pai é ouvida do céu, “este é o meu Filho bem-amado, aquele que me aprouve escolher”.

Santo Agostinho inovou teologicamente ao procurar a “imagem da Trindade” na mente humana, usando a analogia psicológica para explicar como essa Unidade pode ser Trina: ele via a Trindade expressa em Memória (o Pai), em Conhecimento ou Entendimento (o Filho) e em Vontade ou Amor (o Espírito Santo).

Mas se os hinos da base cantam “o poder está comigo, a verdade eu vou mostrar” (mestre Irineu, hino 62) e “tem força superior o mestre que nos ensina” (Antonio Gomes, hino 10), que “poder” e “força” são estes, já que a pretensão de transformar Deus em potência que uma criatura pudesse deter é pretensão de idólatra?

Isto está na Bíblia: “da minha parte, eu vou enviar-vos o que meu Pai prometeu. Quanto a vós, permanecei na cidade até que sejais revestidos, do alto, de poder” (Lucas, 24: 49) e “não vos compete conhecer os tempos e os momentos que o Pai fixou por sua própria autoridade; mas recebereis uma força, a força do Espírito Santo que virá sobre vós” (Atos dos Apóstolos, 1: 7-8).

Como mestre Irineu viria a cantar em seu hino 119:

Confia, confia, confia no poder,
confia no saber,
confia na força
aonde pode ser.

Esta força é muito simples,
todo mundo vê,
mas passa por ela
e não procura compreender.

Já que no Estatuto também se afirma, como está dito em 1 Coríntios: 3: 11, que “quanto ao fundamento, ninguém pode lançar outro que não seja o já posto: Jesus Cristo”, como tudo isso se verifica na base doutrinária da doutrina daimista?

O hino 46 de mestre Irineu registra a repetição de tríades (três elementos), como representativos de “tudo enquanto há”:

Eu balanço e eu balanço,
e eu balanço tudo enquanto há.
Eu chamo o sol, chamo a lua e chamo a estrela,
para todos vir me acompanhar. (...)

Eu chamo o vento, chamo a terra e chamo o mar,
para todos vir me acompanhar. (...)

Chamo o cipó, chamo a folha e chamo a água,
para unir e vir me amostrar.

O hino 29 de mestre Irineu reforça a noção de tríades, mas destaca: Deus é a luz do firmamento e é só a quem se deve amar:

Sol, lua, estrela,
a terra, o vento e o mar.
É a luz do firmamento,
é só quem eu devo amar.

É só quem eu devo amar,
trago sempre na lembrança,
é Deus que está no céu
aonde está minha esperança.

Aliás, a expressão “sol, lua, estrela” não se refere à Santíssima Trindade, como há quem suponha, já que a expressão percorre a Bíblia do início (Gênesis) ao fim (Apocalipse), quase sempre sinalizando a totalidade da criação de Deus.

Gênesis, 1: 16: “Deus disse: ‘que haja luminares no firmamento do céu para separar o dia da noite, que eles sirvam tanto para as festas como para os dias e os anos, e que sirvam de luminares no firmamento do céu para iluminar a terra’. Assim aconteceu. Deus fez dois grandes luminares, o grande luminar para presidir o dia, o pequeno para presidir a noite, e as estrelas”.

Deuteronômio, 4: 19: “Não eleves os olhos para o céu a fim de olhar o sol, a lua e as estrelas, todo o exército dos céus, e seres induzido a te prosternar diante deles e a servi-los. Pois eles são a parte que o Senhor, teu Deus, deu a todos os povos que se encontram sob o céu”.

Salmo 148: 3: “Louvem-no, sol e lua, louvem-no, todas as estrelas cintilantes”.

Mateus, 24: 29 (e paralelos em Marcos 13: 24-25 e Lucas 21: 25): “Logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz; as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas”.

Apocalipse, 12: 1: “Vi uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça”.

Lembro o que o frade franciscano teólogo e filósofo italiano S. Boaventura, que se notabilizou no século 13 pela tentativa de integrar a fé (a teologia) e a razão (a filosofia) sob a primazia da espiritualidade e do amor, disse sobre o sol e a lua em sua obra Recondução das ciências à teologia: “a alma não pode produzir obras vivas se não receber do Sol, isto é, de Cristo, o benefício do lume gratuito, e se não for acompanhada pelo patrocínio da Lua, isto é, da Virgem Maria, mãe de Cristo, e se não imitar o exemplo dos demais santos. Do concurso conjugado de todos produz-se na alma uma obra viva e perfeita”.

Além disso, no decorrer dos hinos da base doutrinária daimista o significado dos termos sol, lua e estrela varia de modo importante, conforme a metáfora adotada em cada hino.

Por vezes o termo “sol” denota Deus Pai:

Lá vem, lá vem o sol,
lá vem meu Pai Criador.
lá vem, lá vem o sol,
lá vem meu Pai Criador (João Pereira, 10),

ora se refere ao Filho, ou Verbo, encarnado em Jesus Cristo:

O sol que veio à Terra
para todos iluminar:
não tem bonito e nem feio,
ele ilumina todos igual (Mestre Irineu, 64),

assim como o termo “estrela” por vezes se refere a Nossa Senhora da Conceição:

Estrela do universo
que me parece um jardim,
assim como sois brilhante,
quero que brilhes a mim (Mestre Irineu, 01),

e em:

A minha Mãe é a lua cheia,
é a estrela que me guia,
estando bem perto de mim,
junto a mim, é prenda minha (Mestre Irineu, 40),

ou denota os próprios hinos recebidos:

Ao meu mestre eu entrego
as estrelas que eu recebi,
para vós passar um visto,
que eu não sei se mereci (Maria Damião, 48),

e

As estrelas já chegaram
para dizer o nome seu:
sou eu, sou eu, sou eu,
sou eu, um filho de Deus (Mestre Irineu, 75),

e

Meu mestre foi quem me deu,
para mim ter amor,
as estrelas que eu recebo,
que a nossa Mãe foi quem mandou (Antonio Gomes, 31).

Ora, a estrela é a justaposição de Nossa Senhora da Conceição e Jesus Cristo:

Estrela brilhante,
Vós sois a minha luz!
É a Virgem Maria
e o Menino Jesus (Mestre Irineu, 84)

ou

Jesus Cristo Redentor,
e a sempre Virgem Maria,
é a luz resplandecente
desta estrela que nos guia (Antonio Gomes, 12),

ora o termo se refere às estrelas do céu, mesmo:

As estrelas pequeninas,
sua luz incandescente:
só Deus, só Deus,
só Deus onipotente (Mestre Irineu, 10),

e ora se refere a Juramidam:

Essa estrela que nos guia
que o divino Pai mandou,
com a sempre Virgem Maria
e Jesus Cristo Redentor (Antonio Gomes, 18).

O termo “lua”, por sua vez, invariavelmente se refere a Nossa Senhora da Conceição:

A minha Mãe é a lua cheia,
é a estrela que me guia,
estando bem perto de mim,
junto a mim, é prenda minha (Mestre Irineu, 40).

e

Deus te salve, oh!, lua branca,
da luz tão prateada!
Tu sois minha protetora,
de Deus tu sois estimada (Mestre Irineu, 01).

e

Do sol Vos nasce a luz, neste azul que faz pasmar.
Vós sois a lua e sois Rainha,
Vós sois o brilho, Vós sois o brilho
Vós sois o brilho e flor do mar (Germano Guilherme, 03)

e

Nós, neste mundo,
precisa bem se firmar:
na lua e nas estrelas,
e no Divino aonde está (Germano Guilherme, 45)

e

O amor eterno
eu devo consagrar:
A lua e as estrelas,
a terra e o mar,
o sol lá nas alturas,
com sua luz de cristal (Mestre Irineu, 15)

e

Sois a lua e sois Rainha,
sois o brilho do jardim.
Rogo a Deus por Vossos filhos
mas ninguém roga por mim (Maria “Damião”, 12)

e

O brilho da lua branca
foi quem me trouxe aqui,
doutrinar a quem quiser
neste caminho a seguir. (...)

Lua branca, quem me trouxe,
confiou-me este lugar.
Para ser filho legítimo
é preciso doutrinar (Mestre Irineu, 101)

Mas pode ser a Lua em si, o satélite da Terra no céu que conhecemos:

Ia guiado pela lua
e as estrelas de uma banda.
Quando eu cheguei em cima de um monte,
eu escutei um grande estrondo (Mestre Irineu, 84).

Já, no tocante à filiação divina de Jesus Cristo – o Verbo de Deus feito carne em Jesus Cristo, por força do Espírito Santo atuando sobre Maria Santíssima –, a informação sobre a Santíssima Trindade – Deus Pai, Deus Filho, o Verbo feito carne em Jesus Cristo, e Deus Espírito Santo – é direta e não metafórica, razão por que não há margem para dúvidas e nem há possibilidade de outra interpretação do ensinamento dos hinos.

Jesus, Filho de Maria,
com o divino Senhor Deus.
Vamos cantar com amor
no dia que Jesus nasceu (Antonio Gomes, 07)

ou

Amar este Menino
eu ensino todo dia,
é amar a Deus no céu,
Filho da Virgem Maria.

Amar este Menino
a todos eu ensino,
é amar ao nosso Deus,
nosso Pai verdadeiro (João Pereira, 08)

ou

Vós sois Mãe de Deus
e Vós sois Mãe minha
e Vós sois a luz
e Vós sois Rainha (João Pereira, 13),

ou

O povo estão iludidos
por completa ilusão
porque não querem acreditar
na Mãe de Deus da criação (Mestre Irineu, 12),

ou

Ô!, minha Virgem Mãe!
Oh!, Virgem Mãe de Deus!
Olhai para mim,
que eu sou um filho seu (Mestre Irineu, 25),

ou

Te alembra do nascimento
e de quem a Deus rogou,
que foi a Virgem Mãe
e Ela é Mãe do Criador (João Pereira, 03),

e

Lá vem a minha Mãe,
botai-me a Vossa bênção.
Para sempre ser lembrada,
a Virgem da Conceição!

Pai, Filho
da Virgem Mãe amantíssima
e do divino Espírito Santo (João Pereira, 21).

Curiosamente, nem Antonio Gomes e nem João Pereira mencionam “lua” em seus hinos e João Pereira não menciona “estrela” em hino algum.

Por fim, um aspecto verdadeiramente crucial para conhecer e compreender melhor a missão daimista de evangelização, que esteve a cargo de mestre Irineu.

Houve e há aqueles que acreditam que mestre Irineu ou sua contraparte espiritual Juramidam foram “reencarnação de Jesus Cristo”, com base em hinos como o 8º de Germano Guilherme e o 97º de mestre Irineu (entre outros):

Jesus Cristo está na Terra,
foi Deus do céu foi quem mandou
para Ele vir nos ensinar
a doutrina do Salvador,

e

Eu digo é com firmeza,
dentro do meu coração,
que Jesus Cristo está conosco,
é quem nos dá a instrução.

Mas, já que conforme a doutrina cristã a encarnação do Verbo de Deus em Jesus Cristo foi fenômeno singular e irrepetível na história do mundo, como se explica estes ensinamentos dos hinos? Quem está na Terra, quem está conosco?!?

O próprio Germano Guilherme dá a resposta, ao cantar em seu hino 35:

A Virgem Maria vem acompanhando,
com esta divina luz vem alumiando,
neste caminho, neste caminho
neste caminho do Espírito Santo.

Pois, sabendo-se da impossibilidade de Jesus Cristo, Ele mesmo, “reencarnar” em pessoa humana, já que quem subiu ao céu foi Ele em carne e osso e não só em espírito e, segundo a fé cristã, assim Está, os hinos parecem cantar que Quem ensinou em nome de Jesus Cristo, para isso habitando mestre Irineu, foi o Paráclito, ou a Palavra do Verbo e o Amor do Espírito Santo, conjuntos, e por essa razão os hinos ensinaram que “Jesus Cristo está conosco” e “Jesus Cristo está na Terra”, “neste caminho do Espírito Santo”.

Resumindo: como se afirma no capítulo VII do Estatuto do CICLU (“a iluminação da consciência, por cujo alcance e prefiguração do Espírito Santo se projeta, conforme Deus prometera”), e em dinâmica espiritual típica e característica da doutrina cristã, a Verdade do Verbo de Deus e o Amor do Espírito Santo de Deus foram conjugados no Paráclito e manifestados em uma missão cristã mariana e fundadora de evangelização com vistas à salvação, ordenada a mestre Irineu por revelações privadas de Maria Santíssima, a Mãe de Deus.

Por isso, para entender ensinamentos como “Jesus Cristo está na Terra, foi Deus do céu foi quem mandou” e “Jesus Cristo está conosco, é quem nos dá a instrução”, basta inferir que, ao que vários hinos da base doutrinária daimista cantaram, o “chefe”, “general”, “império” ou “Juramidam” foi o mentor espiritual de mestre Irineu, guiando-lhe os passos em uma missão mariana fundadora de evangelização e o transformando para poder ser habitáculo do Verbo e do Espírito Santo de Deus conjuntos no Paráclito.

De acordo com a doutrina cristã, “transformar a pessoa para ser habitáculo do Espírito Santo” é sinônimo de viver uma vida de santidade, obediência e amor, permitindo que a Presença de Deus se manifeste no mundo por meio do indivíduo, exatamente como ocorreu com mestre Irineu.

À manifestação do Espírito Santo, por meio do qual a Voz do Verbo, em Jesus Cristo, se expressaria, Jesus deu o nome de Paráclito: “o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu Nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o que eu vos disse”, como está dito em João, 14: 26.

Graças a isso podendo pregar os ensinamentos de Jesus Cristo, já que a Voz do Paráclito, pelo Espírito Santo, é a Palavra do Verbo em Jesus Cristo, assim como o Amor em Jesus Cristo, Verbo de Deus feito carne, é o Amor do Espírito Santo.

Exatamente como um dia foi prometido pelo próprio Jesus Cristo: “eu ainda tenho muitas coisas a vos dizer, mas atualmente não sois capaz de as suportar; quando vier o Espírito da verdade, ele vos conduzirá à verdade plena, pois ele não fala por si mesmo, mas dirá o que ouvir e vos comunicará tudo que está por vir. Ele me glorificará, pois receberá do que é meu e vo-lo comunicará. Tudo o que meu Pai possui me pertence; é por isso que eu disse que ele vos comunicará o que recebe de mim” (João, 16: 12-15). Por este motivo, como Jesus também ensinou, “em verdade, em verdade, eu vos digo, receber aquele que eu enviar é receber a mim mesmo, e receber-me é receber Aquele que me enviou” (João, 13: 20).

O significado literal do termo grego paráklētos é “aquele que é chamado para ficar ao lado (de alguém)”. No contexto da época, um paráklētos era um defensor (alguém chamado para defender uma pessoa em um tribunal), um advogado ou intercessor (alguém que fala em nome de outro) ou um ajudador (alguém convocado para dar assistência ou apoio em uma situação difícil). O termo foi adaptado no Novo Testamento, sendo usado por Jesus para descrever o Espírito Santo, o “outro Paráclito” que seria enviado por Deus, a seu pedido, após a sua partida: “se me amais, aplicar-vos-ei a observar os meus mandamentos; quanto a mim, eu rogarei ao Pai e ele vos dará um outro Paráclito, que permanecerá convosco para sempre” (João 14:16).

Devido à sua riqueza de significados, Paráclito é traduzido de várias maneiras para o português e outros idiomas, abrangendo o papel multifacetado do Espírito Santo: Consolador ou Confortador, Ajudador ou Auxiliador, Intercessor, Advogado ou Defensor.

O Logos, o Verbo de Deus, inicia a era da Revelação ao encarnar em Jesus Cristo e se fazer homem e, enquanto o Paráclito perpetua essa Revelação, tornando-a viva e compreensível no coração dos fiéis no decorrer dos tempos.

Dois mil anos depois de Jesus Cristo, movimentos como o Pentecostalismo, nas Igrejas Protestantes, e o Carismático, na Igreja católica, cresceriam com grande velocidade ao se apoiar na crença em que o Espírito Santo, como Paráclito, manifesta-se espontaneamente onde quer, naqueles que creem, conjugando o Amor de Deus à Palavra do Verbo de Deus.

Com isso, cumprindo a promessa de Jesus Cristo em Lucas, 11: 13: “se vós, pois, que são maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que lhe pedem”.

Neste sentido, tivessem sido escutados com atenção os hinos da base doutrinária, teria tido melhor propriedade categorizar a missão daimista de evangelização como mariana e carismática, do que xamânica e sincrética, como em geral fizeram os pesquisadores que adotaram a dissidência do ex-Cefluris, atual ICEFLU, por fonte confiável de informação, pois ao menos teria sido preservada sua característica central de genuína identidade cristã e poderia ter sido mais bem estudada e praticada.