A Identidade da Doutrina Daimista

Inspirados pelos ensinamentos de mestre Raimundo Irineu Serra, a Condaime oferece formação doutrinária e desenvolvimento espiritual, mantendo viva a verdade original até julho de 1971. Venha conosco explorar essa sagrada caminhada de aprendizado e transformação espiritual.

Luiz Carlos C. Teixeira de Freitas

7/4/202520 min read

A identidade da doutrina daimista

Luiz Carlos C. Teixeira de Freitas

Pediram-me que escrevesse um artigo para o blog da Condaime. Após pensar um pouco, optei por escrever algo sobre a identidade da doutrina daimista, tal como foi ensinada e pregada por mestre Irineu, versus as versões que existem por aí e são fruto de décadas seguidas de reiterados equívocos.

A principal noção errônea repetida desde o início dos anos 1980 — quando foram realizados os primeiros estudos acadêmicos sobre o daime e o Brasil inteiro passou a conhecer a bebida como agente psicoativo em rituais de culto religioso, após a instalação dos primeiros centros daimistas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais — é a de a doutrina daimista ter sido na origem fruto de um sincretismo eclético entre o xamanismo indígena da Amazônia, o Catolicismo popular e a herança afro-brasileira de mestre Irineu, que era neto de escravizados. Tudo isso temperado pelo que se supôs ser “influência militar”, já que mestre Irineu atuara na Comissão de Demarcação de Limites (a cargo do Exército brasileiro, após a compra do território à Bolívia em setembro de 1903 pelo Tratado de Petrópolis) e mais tarde, em Rio Branco, chegara a cabo na Guarda Territorial do Acre.

Isto é apenas uma narrativa fabricada, na qual variadas verdades parciais parecem dar origem a uma nova verdade inteira, sendo que esta suposta nova verdade é, de fato, somente falácia.

Sincretismo e ecletismo – Principiando pela descrição, “sincretismo eclético”, vejamos o significado de cada um dos termos. Sincretismo vem do grego synkretismós, termo com o sentido de “união”, “mistura” ou “combinação”, que indica, em se tratando de fatores religiosos, mescla reinterpretada de conteúdos de diferentes sistemas de crença.

O melhor exemplo no Brasil é a Umbanda, na qual elementos do Cristianismo (Catolicismo popular) se combinam com elementos dos sistemas de crenças afro-brasileiras (Candomblé) e, secundariamente, com elementos indígenas de crença (Caboclos, ou espíritos de ancestrais um dia existidos).

Assim, o santo católico São Sebastião é sincretizado com o orixá afro-brasileiro Oxóssi e com uma entidade indígena caçadora (Caboclo), enquanto São Benedito é sincretizado, na Umbanda, com Ossaim (ou Ossanha), o orixá afro-brasileiro das folhas e ervas medicinais e, por aproximação, em algumas versões populares da Umbanda, com a entidade indígena Curupira.

Vale lembrar que as culturas indígenas têm conhecimentos e entidades que, em função, se assemelham aos atributos de orixás ou de santos católicos, mas não são “a mesma coisa” ou não têm uma correspondência direta de divindades, uma a uma, dada a diversidade de crenças entre as centenas de tribos indígenas brasileiras. Assim, o Curupira não é propriamente o “senhor das ervas”, como Ossaim, mas, sim, o protetor dos ambientes naturais onde as folhas ocorrem.

Nada disso ocorreu na doutrina daimista e, aliás, até hoje não entendo porque pesquisadores e a mídia insistem tanto em classificar a doutrina daimista, tal como pregada por mestre Irineu, como “genuína religião brasileira” (coisa, aliás, que ela nunca foi: uma religião!), não adotando esta mesma classificação para a Umbanda, já que, esta, sim, efetivamente é fruto resultante da miscigenação cultural predominante na formação do Brasil.

Continuando, eclético vem do verbo grego eklégein, com o significado de “escolher”, “selecionar”, e do adjetivo grego eklektikós, com o significado de “aquele que seleciona o que parece melhor”. Na Grécia Antiga, filósofos ecléticos eram aqueles que não se filiavam a uma única escola de pensamento ou sistema filosófico. Em vez disso, selecionavam e combinavam doutrinas, ideias e princípios que consideravam os mais adequados ou mais razoáveis dentre os diferentes sistemas e escolas existentes, com isso formando seu próprio método ou perspectiva.

O que, naquilo que por aí se diz sobre a doutrina daimista, apresenta, então, contradição insolúvel: como combinar a noção cristã de que Jesus Cristo foi a encarnação do Verbo de Deus por meio do Espírito Santo e de Maria Santíssima, sendo Deus Mesmo, portanto, com a noção de que Jesus Cristo foi apenas um espírito evoluído, o mais evoluído dentre todos os espíritos que já encarnaram na Terra, e com a noção de que Jesus Cristo é o orixá Oxalá, que na Umbanda é o orixá primordial, a quem o orixá Olodumaré, ou Olorum (o deus supremo) encarregou de criar o mundo e os seres humanos?

São noções mutuamente excludentes, como se percebe, se o que se deseja é uma mínima coerência conceitual.

A doutrina daimista tem 317 hinos que compõem a sua base doutrinária, junto com o Estatuto registrado em 1971 e o Decreto de Serviço que em todas as sessões de concentração era lido. Em nenhum destes elementos estáveis (isto é, que independem de interpretação ou preferência pessoal) está presente qualquer componente conceitual próprio dos cultos afro-brasileiros, seja Candomblé ou Umbanda, ou de qualquer uma das etnias indígenas amazônicas, cada qual expressando suas crenças e seu próprio jeito.

Aliás, é um erro pensar em uma “religião indígena” homogênea na Amazônia. Ao contrário, o que há é uma extraordinária tapeçaria de crenças e cosmovisões, cada uma das quais é um sistema complexo e autêntico que reflete a profunda relação da etnia com sua história, língua, território e forma de compreender o universo. Essa diversidade é reflexo da enorme quantidade de etnias que habitam a Amazônia brasileira, mais de 300, cada uma com sua história, organização social, relação com o ambiente e mitologia própria.

Maracás e dança grupal – Como a totalidade dos pesquisadores iniciais, no início da década de 1980, era composta de antropólogos culturais, sociólogos ou historiadores, sem nenhum antropólogo da religião ou teólogo, e a coleta de dados de campo deu-se exclusivamente em centros dissidentes da formulação original, julgou-se que o sincretismo era evidente, dada a presença, na doutrina daimista, do uso de maracás apoiando a realização de cânticos e danças grupais, que são elementos culturais estruturadores presentes nos cultos de crença afro-brasileiros e indígenas (os maracás, os cânticos rituais e a dança grupal).

Em consequência, os posteriores pesquisadores dos cultos daimistas e a mídia adotaram tal forma de compreensão sem aprofundar o entendimento e apenas replicaram (e ampliaram) as noções errôneas. Porque o uso de chocalhos e a existência de cânticos rituais e de danças grupais é universal, estando presentes, portanto, em todas as culturas já conhecidas.

Vejamos um a um. O chocalho é um dos instrumentos musicais rituais mais antigos e universalmente encontrados em diversas culturas ao redor do mundo, juntamente com o tambor. Seu uso transcende a mera produção de som, sendo atribuído a ele profundos significados espirituais, terapêuticos e sociais.

O chocalho, frequentemente chamado de maracá no Brasil (ou por nomes específicos em cada língua indígena, como pinká, entre os Caiapó, coité, para os Kambiwá, ou waiá, em algumas etnias amazônicas), é um instrumento central para a maioria dos povos originários das Américas, desde o Norte até o Sul.

Também é um instrumento fundamental em diversas culturas africanas e em suas diásporas, como no Brasil, especialmente no Candomblé e na Umbanda, destacando-se o xerê, chocalho de metal usado no Candomblé para reverenciar orixás, e o afoxé (ou xequerê), que é uma cabaça envolta por uma rede de miçangas e usado, ao que se crê, para “aproximar entidades”.

No xamanismo siberiano e nórdico, embora o tambor seja mais proeminente, chocalhos e guizos são usados por xamãs para, ao que se crê, entrar em transe, guiar espíritos e marcar o ritmo de jornadas espirituais. No xamanismo norte-americano (Estados Unidos e Canadá) são variados os tipos de chocalho, incluindo aqueles feitos com casco de tartaruga, como no caso dos Cherokees e Iroqueses. Talvez o modelo mais antigo e conhecido é o sistro, chocalho de discos metálicos que já era usado no Antigo Egito (2.500 AEC) e até hoje se usa na Igreja Copta da Etiópia.

Como se vê, o fato de cada uma destas culturas utilizarem o chocalho em seus rituais de culto não implica sincretismo de qualquer uma com outra.

Outro elemento que os pesquisadores quiseram entender como indicativo de sincretismo é a dança grupal, na medida em que tanto nas variadas culturas africanas, quanto nas diferentes etnias indígenas brasileiras, a dança grupal costuma marcar rituais de culto, cada uma de acordo com o que crê.

Ocorre que a dança grupal também é um elemento cultural e universal de louvor a Deus, ou aos deuses. Desde as civilizações mais antigas a dança tem sido um meio potente para o ser humano expressar emoções profundas, celebrar eventos importantes e se conectar com o divino. A dança, enquanto linguagem corporal, transcende palavras e permite a expressão holística de devoção, gratidão, súplica e alegria.

Em muitos contextos religiosos a dança grupal cria um senso de comunidade, unidade e propósito compartilhado. O movimento sincronizado ou harmonioso de um grupo de pessoas em louvor pode intensificar a experiência espiritual coletiva, levando a um estado de êxtase, comunhão e forte conexão com o sagrado.

O Antigo Testamento traz variados exemplos de dançar como louvor a Deus (Salmo 150; Êxodo 15, 20-21; 2 Samuel, 6, 14). Embora a dança em sinagogas hoje seja menos comum, algumas celebrações judaicas, como o Simchat Torá (Alegria da Torá), envolvem danças de júbilo com os rolos da Torá. Nesta festa judaica, todos os rolos da Torá são retirados do Aron Kodesh (“arca sagrada”) e levados em procissões de dança e canto ao redor da bimah (plataforma ou púlpito de leitura da Torá) na sinagoga. Essas procissões são acompanhadas por cânticos alegres, música e muita dança. As pessoas se juntam, pulam e seguram os rolos da Torá em seus braços, beijando-os e expressando sua alegria.

No Sufismo, que é a dimensão mística do Islamismo, os dervixes rodopiantes praticam o sama (ou semâ), um ritual de oração em movimento que envolve giros corporais contínuos enquanto se reza. Essa dança mística busca levar os praticantes a um estado de êxtase e comunhão com Deus, representando a jornada da alma rumo ao amor divino.

A dança de São Gonçalo do Amarante é dança ritual de agradecimento por graças recebidas que teve início no século 13 em Portugal, 300 anos antes de sua canonização em 1561, e no Brasil ocorre desde o século 18, trazida por imigrantes portugueses.

A dança grupal em louvor a Deus é uma expressão presente e crescente em igrejas evangélicas e neopentecostais. Historicamente, as igrejas protestantes, especialmente as mais tradicionais, viam a dança com reservas, associando-a a manifestações profanas ou sensuais e privilegiando a oralidade no culto (pregação, cânticos estáticos). Todavia, a partir dos anos 1980, e com mais força nos anos 1990 e 2000, as igrejas evangélicas e, em particular, as neopentecostais, reincorporaram a dança como uma forma legítima e poderosa de louvor. Ministérios de dança passaram a ser comuns, usando a dança como forma de adoração, ministração e evangelização. A dança pode ser coreografada ou espontânea, buscando expressar a presença do Espírito Santo, intercessão e celebração. Dentro do Catolicismo, o movimento Carismático incorporou a dança como forma de expressão de louvor e adoração, muitas vezes com movimentos de exultação e celebração.

Enfim, os exemplos são inúmeros e em nenhum destes casos se pode falar em sincretismo. Variando de cultura para cultura a função e o propósito da dança grupal, a dança é vista como uma oferta sincera e completa a Deus, que envolve o corpo, a alma e o espírito. Não é meramente um espetáculo, mas um ato de devoção profunda. Acredita-se que a dança convida à Presença da glória de Deus no ambiente do culto.

A dança é considerada uma linguagem profética, capaz de comunicar verdades espirituais e tocar o coração das pessoas. Em alguns contextos a dança é usada como parte de rituais de libertação de opressões espirituais ou cura.

A dança é um meio de expressar o júbilo pela salvação, pela bondade de Deus e pela vitória sobre as adversidades. Muitos cultos com frequência são caracterizados por uma atmosfera de celebração e entusiasmo, e a dança é um componente-chave disso. Muitos veem a dança como uma resposta direta e espontânea ao toque do Espírito Santo. O mover do corpo, os saltos, os giros são interpretados como uma unção ou um mover divino sobre os fiéis. Em momentos de “avivamento” ou de “unção” do espírito, é comum ver pessoas dançando individualmente ou em grupo de forma espontânea, expressando alegria, gratidão, libertação e contrição para quebrantamento.

A importância da disciplina – Este “avivamento” do espírito, com suas manifestações no comportamento pessoal e no corpo, requer disciplina, o que nos traz à vã suposição de a disciplina na doutrina daimista decorrer do passado militar de mestre Irineu, em sua juventude (ele iniciou a pregação da doutrina já por volta dos 40 anos de idade).

Nas práticas religiosas a disciplina desempenha um papel fundamental e multifacetado na vida do indivíduo e da comunidade de fé. Longe de ser apenas um conjunto de regras rígidas, a disciplina é vista como um caminho para o crescimento espiritual, aprofundamento da fé e a conexão com o divino, além de apoio ao ordenamento de aspectos variados do cotidiano.

Isto se ouve no hino 39 de Maria Damião (“A lua é tão formosa”):

Ao mestre Ela ordenou

e lhe entregou todo poder

para ele ensinar

e disciplinar os que merecer”,

e no hino 2 de Antonio Gomes (“Preleção”):

A disciplina já chegou,

há tempo eu venho dizendo,

ninguém ligou importância

e o chicote está comendo.

Àqueles que merecer,

devemos dar o seu dom.

Não temos que reclamar,

tudo o que Deus faz é bom”.

A disciplina, seja por meio da oração diária, meditação, estudo das escrituras, jejum, abstenção sexual ou participação em rituais, cria um hábito de busca e proximidade com Deus (ou com o sagrado, dependendo da crença). Ela ajuda o praticante a se sintonizar com o aspecto espiritual da vida, transcendendo as distrações do mundo material. Para muitos, a disciplina é uma forma de expressar sua fé ativa e sua gratidão a Deus ou às forças divinas.

É a fé em ação, demonstrada por meio de compromisso e esforço.

Muitas práticas religiosas envolvem a autodisciplina e a renúncia a certos prazeres ou comportamentos que são considerados prejudiciais. Isso contribui para o desenvolvimento de virtudes como paciência, perseverança, humildade, altruísmo e domínio próprio. A disciplina é um meio de moldar o indivíduo para que ele se assemelhe mais aos ideais de sua fé, promovendo uma transformação interna que se reflete em suas ações e atitudes.

A disciplina compartilhada (como a participação regular em cultos grupais, festividades ou observância de leis dietéticas comuns ao grupo, como a cashrut judaica ou as quizilas do Candomblé) fortalece os laços de comunidade entre os fiéis. Ela cria um senso de pertencimento e identidade comum, reforçando a solidariedade e o apoio mútuo dentro do grupo religioso.

As práticas disciplinares são essenciais para a transmissão e a preservação dos ensinamentos, rituais e valores de um sistema de crença ao longo das gerações. Por meio da repetição e da observância, a tradição se mantém viva e a doutrina é internalizada pelos praticantes. Em um mundo cheio de estímulos e demandas, a disciplina religiosa oferece uma estrutura e um foco que ajudam a combater a dispersão mental, o estresse e a ansiedade. Ela proporciona um tempo e um espaço dedicados à reflexão, ao silêncio e à introspecção, promovendo a paz interior.

Em suma, a disciplina nas práticas religiosas é a espinha dorsal da vida espiritual. Ela proporciona a estrutura e o empenho necessários para que a fé se aprofunde, o caráter se refine, a comunidade se fortaleça e o indivíduo se conecte de forma mais plena com o sagrado em sua jornada de vida.

Como se ouve no hino 73 de mestre Irineu (“Eu vi a Virgem Mãe”):

Ô!, divino Pai eterno,

soberano onipotente,

quero que Vós me dê força

para ensinar esta gente.

A sempre Virgem Maria

é na Terra e no astral,

aquele que for rebelde

precisa disciplinar”.

Ou no hino 38 de Germano Guilherme (“O divino Pai mandou”):

Ele está na Terra,

ele veio foi para ensinar,

aquele que for rebelde

precisa disciplinar”.

Ou no hino 24 de Maria Damião (“Virgem Mãe Puríssima”):

A ordem está severa

para aqueles que frequentam:

aqueles que não dão crença

desocupa os assentos”.

São variados os exemplos de disciplina em diferentes religiões:

a. Budismo: Meditação (Zen, Vipassana), observância dos Cinco Preceitos (abster-se de matar seres vivos, de tomar o que não é dado, de má conduta sexual, de linguagem incorreta e de consumir intoxicantes que causam negligência), estudo dos sutras, práticas de atenção plena.

b. Cristianismo: Oração diária, leitura bíblica, jejum, participação nos sacramentos, serviço ao próximo, dízimo, retiro.

c. Hinduísmo: Yoga, meditação, cânticos de mantras, peregrinações, observância de festivais, rituais no templo.

d. Islã: Cinco Pilares (shahada — a profissão de fé, salah — orações diárias, zakat — caridade obrigatória, sawm — o jejum no Ramadã, hajj — a peregrinação a Meca).

e. Judaísmo: Observância do shabat (descanso semanal no sábado), leis dietéticas (cashrut), orações diárias, estudo regular da Torá, cumprimento das mitzvot (mandamentos).

A doutrina daimista – Visto isso tudo, qual é a identidade da doutrina daimista?

Não é fácil enquadrar a doutrina daimista, tal como pregada por mestre Irineu entre 1931 e 1971, em virtude de sua intensa e incomum originalidade. Todavia, como escrevi uma vez a um muito querido irmão daimista, em carta pessoal, resumindo como eu via a doutrina:

“Há um só Deus, criador do céu e da terra; este Deus único e verdadeiro, por amor às Suas criaturas e querendo mostrar-Se para nos chamar à salvação, fez-Se carne em Jesus Cristo, por meio de Maria Santíssima, por isso chamada por nós de nossa Senhora da Conceição (ou Concepção); Jesus Cristo, como a Palavra (Verbo) e o Amor (Espírito Santo) do Pai feitos carne em uma pessoa humana, ensinou a doutrina de Deus em sua época (pois, como Ele mesmo afirmou, em João, 7: 16, ‘o meu ensinamento não vem de mim, mas d’Aquele que me enviou’); após a morte, ressurreição e ascensão para a vida eterna, Jesus Cristo nos deixou o Espírito Santo para continuar a ensinar a santa doutrina pelos tempos futuros; Espírito Santo de Deus que, sempre que Deus deseja, se manifesta com mais vigor e clareza por meio de determinadas criaturas, como foi o caso de mestre Irineu, com a intenção de pregar uma vez mais a santa doutrina, em nome de Jesus Cristo; santa doutrina que, por ter sido a nós ensinada em nome de Jesus Cristo, é chamada por nós de a doutrina “do Redentor” ou “do Salvador”; a qual, por fim, também chamamos de doutrina daimista, pelo fato de se tomar daime nos rituais de culto. Simples assim… por mais complicados que sejam estes assuntos todos!”

Do ponto de vista da identidade teológica, segundo a exegese das letras de hinos de sua base doutrinária é inegável sua afirmação como doutrina cristã ortodoxa: a crença na existência da Santíssima Trindade de Deus, Pai, Filho (Verbo) e Espírito Santo, como se ouve no hino 35 de João Pereira (“Sou filho de meu Pai”:

São três poderes, são três amores,

são três luzes, são três primores.

O mestre que nos ensina,

a Ele nos entregou.

São três vidas e um só resplendor

do meu Pai criador,

agora junto eles todos

e reduz em um só amor”.

e no hino 21 de João Pereira ( “A Virgem da Conceição”):

Pai, Filho

da Virgem Mãe amantíssima

e do divino Espírito Santo”,

e a crença na encarnação do Verbo de Deus, Deus mesmo, em Jesus Cristo, por meio de Maria Santíssima e por força do Espírito Santo, como se ouve em outro hino de João Pereira (hino 08, “Eu quero que Mamãe me ensine”):

Amar este Menino

eu ensino todo dia,

é amar a Deus no céu,

Filho da Virgem Maria.

Amar este Menino

a todos eu ensino,

é amar ao nosso Deus,

nosso Pai verdadeiro”.

Também é inegável na doutrina daimista, segundo a exegese das letras de hinos de sua base doutrinária, a crença em ter havido a Presença do Paráclito em mestre Irineu, com a Voz de Jesus Cristo e pela força do Espírito Santo, como se ouve no hino 87 de mestre Irineu (“Deus, divino Deus”):

Eu digo é com firmeza,

dentro do meu coração,

que Jesus Cristo está conosco,

é quem nos dá a instrução”,

e no hino 30 de Antonio Gomes (“Recebemos com amor”):

Jesus Cristo veio ao mundo

terminou o que veio fazer.

Entregou ao nosso mestre,

Ele tem o mesmo poder”,

e no hino 35, de Germano Guilherme (“Agora mesmo”):

A Virgem Maria vem acompanhando,

com esta divina luz vem alumiando,

neste caminho, neste caminho

neste caminho do Espírito Santo”.

Acredita-se também que, para ser transformado como criatura, a ponto de poder receber o Paráclito, mestre Irineu foi auxiliado por uma divindade de nível elevado, que informou ter o nome de Juramidam, conforme se ouve em variados hinos.

No hino 13 de Antonio Gomes (“O general Juramidam”):

O general Juramidam,

o seu trabalho é no astral.

Entra no reino de Deus

que tem força divinal”,

no hino 12 de Maria Damião (“Seis horas da tarde”):

O Rei onipotente

é quem me manda eu ensinar:

façam esforço de aprender

os ensinos do general”,

no hino 33 de Germano Guilherme (“Estou na Terra”):

Estou na Terra, estou na Terra

minha Mãe é quem domina.

Ela é minha protetora,

Ela domina e é Rainha.

Este divino poder

o divino Pai talhou,

para a sempre Virgem Maria

e Jesus Cristo Redentor”,

no hino 106 de mestre Irineu (“Fortaleza”):

Estando nesta fortaleza,

onde me radeia o sol,

encostado a meu Império,

dono da força maior.

Dono de todo poder,

dono da força maior.

É Ele é quem me ensina

para ensinar os menores.

Para ensinar os menores,

para todos aprender,

para sempre louvar a Deus

e saber agradecer”,

e no hino 111 de mestre Irineu (“Estou aqui”):

Eu vou contente,

com esperança de voltar.

Nem que seja em pensamento

tudo eu hei de me lembrar.

Aqui findei,

faço a minha narração

para sempre se lembrarem

do velho Juramidam”.

De igual modo é inegável, segundo a exegese das letras de hinos de sua base doutrinária, a intenção evangelizadora da doutrina daimista, como se ouve, entre outros, em dois hinos de mestre Irineu:

no hino 78, “Nas virtudes”:

Nas virtudes em que cheguei,

Canto-ensino vem comigo,

o poder que Deus me dá

para este mundo eu doutrinar”,

e no hino 101, “O brilho da lua branca”:

O brilho da lua branca

foi quem me trouxe aqui,

doutrinar a quem quiser

neste caminho a seguir”.

E que esta evangelização foi orientada por Maria Santíssima, como se ouve em inúmeros hinos, entre eles o hino 49 de Germano Guilherme (“A minha mãe”):

A minha Mãe ensina o Vosso filho,

ensina ele para ele nos ensinar.

Quem bem ouvir presta atenção ao que ele diz,

Ela junto do pé d’ele Ela está”,

o hino 21, de mestre Irineu (“Oh, meu divino Pai”):

“A minha Mãe que me ensinou

dentro do meu coração,

é quem me dá essa verdade,

para expor aos meus irmãos”,

o hino 8 de Maria Damião (“A Rainha me mandou”):

A Rainha me mandou

eu ensinar os meus irmãos pecadores.

Pois se curvem à Doutrina,

à doutrina de Jesus Salvador”,

o hino 3 de Antonio Gomes (“Eu vim para ensinar”):

Eu vim para ensinar,

o nosso Pai foi quem mandou,

eu ensinar os meus irmãos

a doutrina do Salvador.

Eu ensino é com amor

dentro do meu coração.

Quem me traz estes ensinos

é a Virgem da Conceição”,

e o hino 24 de João Pereira (“Eu vim para este mundo”):

Eu vim para este mundo,

eu vim aprender a rezar.

A minha Mãe que nos mandou

o mestre para ensinar”.

E que, para esta orientação, mestre Irineu recebeu por quarenta anos seguidos inúmeras revelações privadas de Maria Santíssima, como se ouve no seu primeiro hino (“Lua branca”):

Tu sois a flor mais bela

aonde Deus pôs a mão.

Tu sois minha advogada,

Oh!, Virgem da Conceição.

Ô!, Mãe divina do coração,

lá nas alturas onde está

minha Mãe, lá no céu,

dai-me o perdão.

Estrela do universo

que me parece um jardim,

assim como sois brilhante,

quero que brilhes a mim”,

no hino 73 de mestre Irineu (“Eu vi a Virgem Mãe”):

Eu vi a Virgem Mãe

nas alturas onde Ela está,

me mandou que eu afirmasse,

a firmeza eu afirmar”,

no hino 32 de Maria Damião (“Repousei-me e concentrei”):

Repousei-me e concentrei,

minha conselheira chegou.

Foi dizendo para mim, esta verdade

para todos Ela mostrou”,

no hino 81 de mestre Irineu (“Professor”):

Eu entrei em conferência

para deixar de ensinar.

A Virgem Mãe me disse:

ninguém não pode obrigar”,

no hino 3 de João Pereira (“Eu amei uma senhora”):

Eu amei uma senhora

pelo meio de transmissão,

quando chegou-me a verdade:

era a minha Senhora Mãe.

Te alembra do amor

que bem tu empregou,

que foi na Virgem Mãe,

e Ela é Mãe do Criador”.

e no hino 107 de mestre Irineu (“Chamei lá nas alturas”):

Chamei lá nas alturas

para o Divino me ouvir.

A minha Mãe me respondeu:

ô!, filho Meu, estou aqui!

Minha Mãe, vamos comigo,

para sempre eterna luz,

para eu poder assinar

para sempre a santa cruz”.

Ao que os hinos afirmaram e mestre Irineu pregou, a doutrina daimista talvez tenha sido a mais vigorosa dinâmica de revelações privadas de Maria Santíssima já ocorrida no Brasil (a serviço de uma missão de evangelização cristã), assim como no decorrer da história foram registrados outros episódios de aparição mariana já reconhecidos pela Igreja Católica:

Alguns dos exemplos mais conhecidos de aparições marianas que foram reconhecidas pela Igreja Católica incluem:

  • Nossa Senhora de Guadalupe (México, 1531): Aparição ao mestiço indígena Juan Diego, com a milagrosa impressão da imagem da Virgem em sua tilma (manto rústico feito de fibras de agave). A mensagem focava no amor de Maria pelos mais humildes e na construção de um templo.

  • Nossa Senhora de La Salette (França, 1846): Aparição a duas crianças, Mélanie Calvat e Maximin Giraud. A mensagem focou na penitência, na conversão e nas consequências do pecado.

  • Nossa Senhora de Lourdes (França, 1858): Aparição a Bernadette Soubirous, com o pedido de oração e penitência pela conversão dos pecadores. No local, uma fonte de água milagrosa jorrou e muitos foram curados.

  • Nossa Senhora de Fátima (Portugal, 1917): Aparição a três pastorinhos, Lúcia, Francisco e Jacinta. As mensagens incluíram chamados à oração, à penitência, à consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria e advertências sobre os perigos para a fé e a paz mundial.

  • Nossa Senhora de Banneux (Bélgica, 1933): Aparição por oito vezes à menina Mariette Beco, de 11 anos, que não era particularmente religiosa. Esta aparição recebeu o nome de “Virgem dos pobres”, em função da época de sua aparição (a Grande Depressão), e foi reconhecida em 1949.

  • Nossa Senhora de Kibeho (Ruanda, 1981): Reconhecida em 2001, as aparições ocorreram para três crianças videntes entre 1981 e 1989 e advertiram sobre o genocídio que ocorreria no País anos depois. A mensagem era de arrependimento e oração.

Quanto ao fato de, no caso da doutrina daimista, as revelações terem ocorrido no transcorrer de mais de quatro décadas, cabe registrar que as aparições de Maria Santíssima em Medjugorje, na antiga Iugoslávia, tiveram início em 1981 e vêm se prolongando até os dias de hoje, mais de 40 anos passados.

Neste longo período, a Igreja Católica repetidamente estudou o fenômeno e a posição oficial, em 2025, é de aprovação à devoção dos fiéis, a despeito de ainda não ter sido declarado que as aparições são divinamente originadas, com o que a Igreja mantém a posição de “non constat de supernaturalitate” (“não se constata a sobrenaturalidade”), isto é, não há provas suficientes para afirmar a origem sobrenatural das revelações e mensagens, mas também não há para negá-la.

Em setembro de 2024 o Dicastério para a Doutrina da Fé (sucessor da Santa Inquisição Romana), com a anuência do Papa Francisco, concedeu a aprovação para a “devoção ligada a Medjugorje”. Isso significa que a Igreja reconhece e permite a devoção mariana em Medjugorje e até autoriza a publicação de mensagens associadas, com a ressalva de que nada é contrário à doutrina. É importante notar que essa autorização não significou um reconhecimento da autenticidade das aparições em si, mas um reconhecimento dos frutos espirituais positivos (conversões, confissões, aumento da fé) que muitos peregrinos experimentam no local.

O mesmo — conversões, confissões, aumento da fé, superação de vícios, curas milagrosas, etc. — se verifica no caso da doutrina daimista, especialmente nos centros que pregam a doutrina tal como ensinada por mestre Irineu, razão pela qual talvez chegue o dia em que a doutrina daimista seja de fato estudada em profundidade e reconhecida como missão de evangelização de perfil mariano e carismático, superando as versões errôneas que sobre ela se construíram por causa da deturpação de conceitos e práticas nas dissidências, registradas pela maior parte dos pesquisadores e difundidas pela mídia para a opinião pública como sendo próprias da doutrina daimista, embora não o tenham sido.